quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O dia em que a lei protege os animais domésticos... ou, então, não

Sou uma acérrima defensora dos direitos dos animais. Irritam-me as pessoas que criticam as associações de protecção dos animais, e as pessoas que se preocupam com eles, com argumentos do género: "Há tantas crianças com fome no mundo e vocês só pensam nos animais", ou "Com tanto idoso abandonado nos hospitais, vocês preocupam-se com cães e gatos".

Immanuel Kant disse um dia que "podemos julgar o coração de um homem pela forma como ele trata os animais". Arthur Schopenhauer foi mais longe e afirmou: "A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de carácter…quem é cruel com os animais, não pode ser um bom homem". E foi para punir a crueldade que entrou hoje em vigor a lei que criminaliza o abandono e os maus tratos a animais domésticos.

Quando a lei foi aprovada no Parlamento, apesar das reticências de alguns partidos, a sociedade civil congratulou-se com o feito. Pela primeira vez, a lei deixa de olhar para os animais domésticos como meras "coisas" sem quaisquer direitos. A partir de agora, quem infligir mais tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, que se agrava para prisão até dois anos e multa até 240 dias caso a agressão resulte na morte ou na privação de "importante órgão ou membro" do animal. Quem abandonar um animal de companhia incorre numa pena de prisão até seis meses ou pena de multa até 60 dias.

Podemos dizer que este é o primeiro passo para a mudança de mentalidades em relação aos animais de estimação, principalmente se tivermos em conta o peso que estes têm, cada vez mais, nas novas famílias modernas. Há quem diga que cães e gatos são os "novos filhos" num país onde a taxa de natalidade é cada vez mais reduzida.

Mas será que esta lei vai ajudar a prevenir o abandono ou, pelo contrário, vai fazer apenas com que os animais sejam abandonados nas ruas, nas estradas, em vez de entregues em canis e associações de protecção de animais? Ao ver a peça da RTP sobre a entrada em vigor da nova lei e ouvir uma veterinária explicar como se vai processar, a partir de agora, a identificação dos donos que abandonam os seus fiéis amigos nos canis, assaltou-me esta preocupação, é o lado perverso da lei.

Angustia-me pensar que uma lei que foi feita para proteger seres indefesos terá, muito provavelmente, um efeito preverso e contribuirá para aumentar o número de animais errantes, atropelados, feridos, doentes e famintos nas ruas, o que acaba por se tornar um problema de saúde pública e, em última instância, fará aumentar o número negro de abates nos canis portugueses, cujo número anual ronda já os 100 mil animais.

Não consigo encontrar uma solução para este problema, confesso, a não ser a aposta na educação cívica dos cidadãos, desde que nascem até que morrem, para a importância e os benefícios que os animais de estimação trazem, principalmente em termos de saúde. Estudos comprovam que os animais ajudam a diminuir estados depressivos e aumentam a qualidade de vida dos seus donos. Se assim é, porque os abandonam? Até os sem-abrigo são mais fiéis aos seu fiel amigo do que quem compra um cachorrinho da raça XPTO só porque a criancinha quer e, quando cresce e impede as férias na Tailândia, é atirado para um canil sem dó nem piedade.

A lei da criminalização dos maus tratos e abandono a animais de companhia entra em vigor hoje, mas quem acredita mesmo que alguém seja preso durante seis meses por abadonar um cão quando as prisões estão sobrelotadas e quando outro tipo de criminosos saem em liberdade todos os dias? É sabido que penas inferiores a quatro anos de prisão raramente resultam em prisão efectiva, principalmente se o réu for primário. Ficam com pena suspensa e lá vão eles à sua vidinha, como se nada fosse. Se calhar deveríamos mudar a forma como as penas são aplicadas e, nestes casos, aplicarmos uma medida ainda pouco usada em Portugal, o serviço comunitário, neste caso em canis. As associações agradecem a ajuda extra e o sistema judicial contribui para a educação cívica destas pessoas que, como dizia Schopenhauer "não podem ser bons homens", mas podem aprender a sê-lo.

O Genice foi vítima de maus tratos. Foi resgatado e terminou os seus dias numa casa onde era bem tratado.



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