sábado, 4 de outubro de 2014

A mala de luxo

Apesar de desconhecer tal episódio, acompanhei atentamente a discussão. No dia seguinte fiz a minha própria investigação: vi o vídeo e a entrevista. Pelo meio, vociferei alguns palavrões. Se tivesse que reduzir a questão ao número de caracteres permitidos numa determinada rede social, creio que o faria assim: “Jovem deseja poder comprar uma mala de luxo e é humilhada publicamente como se ela fosse alheia, cúmplice e responsável pela crise do país.”

A limitação de caracteres é excelente pois desta forma não teria sequer de mencionar a forma de falar da jovem. Compreendo que pudesse dar lugar a algum humor, que na verdade eu próprio faria, mas e então o que dizer de inúmeros outros ditos “comunicadores” que todos os dias preenchem as rádios e televisões? Aposto que num instante todos conseguiriam identificar uma série de pessoas com uma forma de falar no mínimo curiosa, mas que nem por isso deixam de ser apostas fortes na comunicação. E uma boa parte dessas, pagas com o dinheiro dos nossos impostos.

O problema principal parece por isso estar na vontade da jovem. Desejo esse, que a própria admite ser consumista, e que teria de juntar dinheiro para poder comprar a mala. O que é que aqui não é claro? O país está em crise, mas uma jovem não pode “sonhar” ter um determinado objecto? Sonhar (ou trabalhar para o conseguir) é uma ofensa assim tão grande? E essa dita futilidade só poderá vir de quem não tem noção e que certamente vive numa família abastada e sem problemas económicos?

Este é um daqueles temas nos quais é muito fácil mergulhar. A tentação é quase sempre a mesma: apontar que os outros não têm noção da realidade. Acusar, denegrir, ofender..! Se eu me metesse neste tema, rapidamente me afogaria nas minhas próprias palavras, porque estas seriam imensas. E que fique bem claro, que nenhuma dessas palavras, seria em direcção à jovem da mala.

O desafio que temos sobre as mãos está na definição do que a realidade é. Para mim, a realidade é uma água muito turva na qual todos os dias nos banhamos. É impossível ver quem é quem dentro desta água escura. Há até quem continuamente remexa o lodo do fundo de forma a manter a água o mais opaca possível. Falar de realidade é muito fácil, conhecê-la é outra coisa. Isso requer mostrarmos quem somos e qual o nosso real contributo para essa água turva. E não serão assim tão poucos aqueles que agitam esse lodo. 


Espero mesmo que ela tenha conseguido comprar a mala.

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