Apesar de desconhecer tal episódio, acompanhei atentamente a
discussão. No dia seguinte fiz a minha própria investigação: vi o vídeo e a
entrevista. Pelo meio, vociferei alguns palavrões. Se tivesse que reduzir a
questão ao número de caracteres permitidos numa determinada rede social, creio
que o faria assim: “Jovem deseja poder comprar uma mala de luxo e é humilhada
publicamente como se ela fosse alheia, cúmplice e responsável pela crise do
país.”
A limitação de caracteres é excelente pois desta forma não
teria sequer de mencionar a forma de falar da jovem. Compreendo que pudesse dar
lugar a algum humor, que na verdade eu próprio faria, mas e então o que dizer
de inúmeros outros ditos “comunicadores” que todos os dias preenchem as rádios
e televisões? Aposto que num instante todos conseguiriam identificar uma série
de pessoas com uma forma de falar no mínimo curiosa, mas que nem por isso
deixam de ser apostas fortes na comunicação. E uma boa parte dessas, pagas com
o dinheiro dos nossos impostos.
O problema principal parece por isso estar na vontade da
jovem. Desejo esse, que a própria admite ser consumista, e que teria de juntar
dinheiro para poder comprar a mala. O que é que aqui não é claro? O país
está em crise, mas uma jovem não pode “sonhar” ter um determinado objecto? Sonhar
(ou trabalhar para o conseguir) é uma ofensa assim tão grande? E essa dita futilidade
só poderá vir de quem não tem noção e que certamente vive numa família abastada
e sem problemas económicos?
Este é um daqueles temas nos quais é muito fácil mergulhar. A tentação é quase sempre a mesma: apontar que os outros não têm noção da realidade. Acusar, denegrir, ofender..! Se eu me metesse neste tema, rapidamente me afogaria nas minhas próprias palavras, porque estas seriam imensas. E que fique bem claro, que nenhuma dessas palavras, seria em direcção à jovem da mala.
O desafio que temos sobre as mãos está na definição do que a realidade é. Para
mim, a realidade é uma água muito turva na qual todos os dias nos banhamos. É
impossível ver quem é quem dentro desta água escura. Há até quem continuamente
remexa o lodo do fundo de forma a manter a água o mais opaca possível. Falar de realidade é muito fácil, conhecê-la é outra coisa.
Isso requer mostrarmos quem somos e qual o nosso real contributo para essa água
turva. E não serão assim tão poucos aqueles que agitam esse lodo.
Espero mesmo que ela tenha conseguido comprar a mala.
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